Pular para o conteúdo principal

O autor pornô e o que eu acho disso

-Esse texto é uma exceção ao que eu proponho como escopo pra esse blog. Mas não sai tanto dos trilhos assim. É mais um ensaio, minha visão e impressão, do que a pesquisa e estudo que tento empenhar nos demais posts-

Das Recht, 2001- Daniel Richter
*essa pintura só está aqui porque me dá o mesmo murro 
que falar sobre isso. 

"Todos os pecados têm origem num sentido de inferioridade, também chamado vaidade."



A frase acima tem mais de uma tradução. O original, em italiano, tem a palavra "vaidade" como vaidade mesmo. Estranhamente publicaram em alguns lugares como ambição. E é isso.



Eu nunca achei legal a postura de soberba que alguns aficionados do OSR têm, em geral, com os demais tipos de RPG. Pra mim sempre foi tangente ali a sensação de tiração de onda. Os blogs agressivos, os livros com artes hostis, o grognardismo saudosista, um apreço ao bizarro e ao intangível, enfim, muita coisa que evoca o mesmo sentimento excludente que aquela galera ultra cult da arte moderna as vezes vacila em deixar limitada ao selecionado clube deles. Aliás, vou deixar os artistas em paz, porque um monte de gente dos mais variados temas faz isso. É gatekeeping o termo?  Eu mesmo fazia e as vezes faço isso. E é por isso que eu atesto que rola e me sinto incomodado. Porque rola comigo.



Isso rola em outros RPG's, jogos e tudo que é coisa. Mas vamos falar do OSR porque o fato de outros fazerem não invalida nada.



Pra mim isso era a única coisa zuada que eu via, as vezes, no OSR. De resto eu via muita coisa foda, muita coisa que vem me fascinando nos últimos meses. Várias ideias do Primer estabeleceram verdadeiros paradigmas pra aquilo que vem sendo"meu estilo de jogo favorito" (sou eclético). Eu particularmente gosto da ideia de desafiar o jogador e não a ficha (há alguns pingos nos i's que eu gostaria de colocar aqui, mas isso é pra outro post).



Isso tudo pra falar que tem um autor de OSR que sempre foi um humano lixo e tals. O tal do Zak Smith. Eu acho os livros dele bem bons.



O que eu acho do cara (antes de cabalmente e factualmente ficar óbvio que ele é uma tragédia encarnada ):
ele era aquele joe que curtia fazer umas merdas, mas sempre com um contrapeso pras essas merda guardado na manga. Basicamente ele gostava de ser esse cara que incomodava o status quo, atraia críticas e com a carta de counterspell ele mandava geral rever seus conceitos e aproveitava pra dar uma humilhada online. "Ele trata mal mulheres, mas mora com strippers e marginalizadas". Esse tipo de coisa. Pra mim parecia até que ele fazia uma engenharia social pra que as coisas ficassem desse jeito. Sei lá, o cara é todo zuado. Vai saber.



Nessa ele arrumou tretas homéricas em fóruns que eu nem entendi a cronologia. Mas é muita treta mermo. O Patrick Stuart até organizou um dossiê da parada toda.




Só que assim, nada contra o RPG ou quanto a seriedade do que a vida online e as consequências de um microcosmo podem impactar na vida de uma pessoa. Então pra mim sempre foi muito distante essa realidade que estavam falando em fóruns, de gente ameaçando de morte os inimigos de Z. Smith etc. Na minha cabeça era um monte de caras tipo o maluco daquele episódio de WoW do South Park ameaçando alguém de qualquer coisa que seja.  Eu ficava até com vontade de mandar um: "Ae Zak Smith, seu arrombado, moro aqui no BR e chama seus amiguinho zé ruela pra colar aqui em casa e a gente vê como desanda essa simpatia, to no aguardo.".  Só que, constatadamente rolou gente sendo ameaçada e mudando de país e tendo projetos de vida arruinados (mas em boa parte porque a vida e os projetos dessas pessoas tinha muitos alicerces nessa vida de blogosfera). E eu sei que é muito fácil para mim não ter medo dessas coisas ou achar tosco, sou branco, hetero, bem de vida e com um background que cria toda uma estrutura pra me proteger e fortalecer contra esses ataques. O cara fazia por exemplo esse cyber bullyings contra gente trans que, infelizmente, além de sofrer todo preconceito do mundo, muitas vezes é agredida e, em muitos casos, assassinada, por muito pouco. Tô falando isso porque é realmente um exercício pra mim me colocar no lugar de pessoas que se sentem ultrajadas por um lixo humano desses, e eu me esforço todo dia pra entender mais. Porque é preciso. Teve gente ficando na bad real.



E pra mim Z. Smith era isso, um doido chato e detestável que escrevia uma porrada de coisa e brigava com geral.  Então foda-se. Comprava os livros porque achava eles bons. E pessoalmente eu acho eles bons, ainda, mesmo com a absoluta certeza que o autor é um verme absoluto.



E o que eu achava dos livros dele: são livros bem diferentes do que vemos por aí. Tanto editorialmente, quanto em conteúdo. A arte era puxada pra esse lado mais moderno e distante da arte figurativa que povoa 99,9999999% dos livros de RPG. Ele escreve bem, é legal ler as regras e o livro, a prosa é rápida. Prática. Lembra que na 3.x as cidades tinham Humano 90% Elfo 6% Anão 3% Orc 1%? Pra ele isso era lixo. Perda de tempo. Somava nada  e encorajava o DM a ser palestrinha.



A ideia era que  - se a descrição de 3 páginas de uma tribo de orcs bárbaros no fim não passasse alguma ideia além da que "orcs bárbaros" passariam -  então é só filler. Material que você vai ler e se sentir compelido a atirar nos jogadores porque você gastou uma boa parte do seu tempo lendo e que, por mais incrível que fosse de ler, aquilo pouco interessa os jogadores durante a sessão.



Os recursos descritivos pra ele eram os de sensações cotidianas, que ligassem experiências da vida ordinária normal que temos com as experiências nada comuns que as aventuras de RPG tem. A textura de um item mágico seria: "um ovo esveradeado, que ao passar a mão parece que você está acariciando a pele fina e careca de um bebê", meio edgy né? Dá uma embrulhada né? Porque nós conhecemos a sensação e isso é sinestesicamente estranho, não sei explicar. Ele era bom nisso. Praticidade e sensações.



Mas leia o exemplo do ovo, meio "edgy" né? Sempre flertando com o moralmente pesado, mas se você ousasse atacar algum posicionamento dele o "counterspell" já estava engatilhado. E na pior das hipóteses, se encurralado, rolaria aquele velho Gatekeeping ~você não entende porque você não tem sensibilidade etc~. Tinha muito material dele que se esforçava mais em ser estranho e bizarro do que prático e aditivo, e sempre recaía nesse Gatekeeping aí. No mais, nenhum autor acerta 100%.



Enfim, no balanço geral eu, pessoalmente, considero ele um bom autor.



Tá, e aí?

Rolou isso aqui - clique pra ver (o Shinken sintetizou bem o bagulho, se você não tá ligado disso, então recomendo que leia isso tudo antes de prosseguir a leitura, ou até mesmo reinicie).

Não foi nenhuma surpresa pra mim. Fiquei triste pela Mandy e pelas pessoas com quem ele -agora sem nenhuma sombra de dúvidas- avacalhou. Nunca foi dúvida pra mim, mas sei lá, ver o fato escrito na pedra mudou minha percepção. 

E aí que eu espero que ele não consiga mais fazer mal a ninguém e que responda pelo seus atos.



Acho que esse exílio online é algo que vai doer pra ele, ele é vaidoso demais. Puro achismo meu, tenho nenhuma base pra embasar isso aí, mas isso aqui não é um blog científico.



Acho que aquilo que se chamaria de "legado" dele lentamente vai fagocitar o nome desse traste. Ele realmente tinha abordagens transformadoras pro RPG (na minha opinião), mas essas abordagens não eram DELE, ele as comunicava muito bem.



Reconheço que gostava de ler os livros dele e que não vou ler Demon City (livro em FC que tava pra lançar). Já deu. E também não era meu autor favorito.




E no fim eu também tô triste  comigo mesmo. Porque quando li Frostbitten (livro dele sobre amazonas em terras gélidas) eu pensei "caralho, que merda, vai ter altos imbecis felizes de matar amazonas feministas em suas mesas, pra que oferecer isso?", é porque talvez a ideia do livro era ficar feliz em matar amazonas feministas MESMO. Que lixo.

E a propósito, a frase do inicio do texto é do Cesare Pavesi. Um incel misógino italiano do século passado. Um vermezinho bem infeliz. 

Não vou queimar livros, acho viagem. Mas sei lá, tá tudo bem foda. Se um dia eu for tirar da prateleira ao menos minhas convicções me permitirão ler com crítica. 


  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Você não vai chegar no nível 20 e o que o design do jogo tem a ver com isso

Você já deve ter buscado formas de otimizar seu personagem, já deve ter perguntado se vale mais a pena o talento x ou o talento y. Quem nunca? É justo saber se aquela ideia de um guerreiro com duas espadas é viável, ou se vale ter umas perícias a mais. A internet, munida de um exército de analistas de builds e theory-crafters, obviamente mapeou e norteou o que há de bom e o que há de ruim no PHB e demais suplementos. Porém, após anos observando algumas opiniões e pareceres, comecei a questionar certos dogmas. Por exemplo, vamos ao monge. O monge enfia o cacete nos primeiros níveis, mas progressivamente perde força nos níveis mais altos. O ranger faz a mesma coisa, com o Hunter’s Mark ou Hail of Thornes ele se mostra um poderoso combatente além de inúmeras habilidades fora do combate (algumas até boas demais para o bem andar de uma campanha). “O monge é desbalanceado, fica aquém nos níveis mais altos”. Reconhecemos que é verdade, mas é provável que você nem t

Por que a Bounded Accuracy tornou a 5e mais ampla

“Como assim? Como um sistema com um espectro tão estreito pode tornar-se mais amplo? Isso é um absurdo!” É essa a percepção que eu tinha quando me deparei com os livros da 5e. Acostumado com o empilhamento de modificadores (principalmente da 3.x/PF), a possibilidade de ter no máximo um +11 [1] para acertar no 20º nível me pareceu frustrante. Isso abria a seguinte premissa: “poderia um incapaz acertar um semideus, mesmo que causando um dano irrelevante?”; na 5e a resposta é sim.  Os valores altos de CA não atingem mais que duas dezenas, a dificuldade dos testes não passa muito disso também, a granularidade numérica parece infinitamente menor... E como isso implica em mais possibilidades? Não seria um contrassenso? Essa pergunta pode ser respondida de duas formas, uma, a mais subjetiva, eu respondi no meu post "Como D&D um dia me fez ver o mundo meio torto"  (aqui abro literalmente um parêntese porque o argumento vai mais na percepção

Roube Essa Ideia O quanto Antes