Esse texto serve de nada se você quiser mentir pra si mesmo afim de provar que algo aqui está errado.
Não é para testar sua capacidade ou seu mérito.
É um exercício de reflexão que me foi muito libertador, até
mesmo como pessoa.
O Bom Mestre
Todos nós já estivemos lá. Ao menos todas as pessoas que
costumam jogar com o papel de Mestre, Narrador, DM, enfim, essa função que
todos sabem do que se trata.
Sim, lá. Aquela cadeira central na távola redonda, como se
tivéssemos um fardo enorme que nobremente carregávamos em prol da diversão
coletiva. O mártir. O que se dedica. O que se entrega.
Ele.
O Bom Mestre.
Aquela Dragão Brasil no recreio. Aquele Livro do Jogador do
primo mais velho. Você se emocionou quando folheou o Livro dos Monstros cheio
de ilustrações incríveis dele. 3D&T foi o mais fácil de aprender, mas os
caras mais velhos jogavam Vampiro, Mago e Lobisomem.
A tarefa era árdua mas recompensadora, criar aqueles mundos
e coisas todas não era tarefa fácil, e mais ainda, ter a sapiência de saber
intervir quando necessário para o melhor “fluir” da história requeria jogo de
cintura, uma mente afiada, criatividade, e todas as virtudes que um Bom Mestre
deve ter.
Ser um Bom Mestre é para poucos, e por isso sempre existirão
menos Mestres que Jogadores. Todos podem jogar, mas apenas aqueles que se
interessam pelo cuidado e zelo de criar e guiar uma história em prol da
diversão dos outros são dignos dessa missão elevada e virtuosa.
Sigam o Bom Mestre.
...
Narciso
Sobre a balela que você leu acima.
Na filosofia existe a ideia de que não existe altruísmo
puro. Somos todos egoístas que enxergamos o mundo por nossas janelas, mas ainda
assim percebemos, sentimos, e concebemos em primeira pessoa. A mãe que dá o
seio ao filho, o pai que jejua para dar ao filho o que comer, enfim, coloque
aqui o mais nobre dos atos; no fim você o faz porque você não se tolera não o
fazendo. Você não suportaria ver seu filho morrer de fome. É bonito, é tocante,
mas no fim, é pra você.
Isso não quer dizer que devemos abrir mão de tudo que é
compaixão e viver numa anarquia egoísta, até porque nós não queremos isso.
Somos mamíferos e curtimos afeto, rir, socializar e todo resto. Mas é muito
importante se atentar ao o que realmente fazemos e por que fazemos algumas
coisas para os outros.
Comecemos.
O meu primeiro postulado aqui é que o papel de DM é um papel
que se atribui muito a ideia de competência. O que é muito louco, já que RPG era
pra ser um hobby colaborativo, social, não competitivo, e as coisas não
precisariam ser levadas ao mérito de ofício. Isso acompanha a ideia de que RPG
é um tipo de jogo desgarrado dos demais, uma estirpe mais elevada e preciosa de
jogo, ou coisa do tipo. Tudo isso é questionável, e cabe debate, mas acho que
todos concordam que existe a ideia da competência do DM.
- E daí? Óbvio que existe a ideia de competência, você mesmo falou que
era um jogo, e em vários jogos existe a ideia de competência e tá tudo bem, tem
até campeonato, não é?
É verdade, mas como avaliar um DM? Quais os quesitos já que
ele não pode vencer um outro como numa partida de Smash Bros? Batalha de Rimas?
Quem cria a Trova mais rápido? Atuação? Quiz de Forgotten Realms? Quiz de
Edições e Sistemas? Quiz de Regras?
Ironicamente a gente até vê essas competições por aí né. Basta
ver como quando aparece alguma dúvida em um fórum e vem um comédia e escreve
algo que ele acha que é a regra, mas por acaso ele se equivocou e é corrigido
por outro colega de fórum.
Ali a Competência de DM dele foi ameaçada.
Ali vai começar um bate boca que muitas vezes termina com
inconclusões e uso do “Escudo da Diversão”:
-Beleza, tá errado,
mas o importante é se divertir e eu como DM mudo isso aí porque aí todos se
divertem.
- Douglas, DM desde a
Caixa da Grow, "aquela" da 1ª edição (HUE).
...Sim amigos, nosso hobby é majoritariamente composto por homens de masculinidade Beta que defenderão com todas as armas do mundo sua competência como geek. Como
DM. O cara acima não tá essencialmente errado, ele pode fazer o que bem
entender com o sistema dele, e se ele julgar que aquilo entra no conceito ultra
subjetivo master que é diversão, e ele certifica que o mesmo conceito se
espelha na mesa de jogadores dele, tá sussa. Basta que todos os planetas
estejam alinhados, a lua esteja minguante, o vento sopre a oeste e três estrelas
cadentes apareçam no céu.
A cena acima é só um exemplo corriqueiro da dinâmica que se vê
em fóruns (que são certamente o principal canal de diálogo de RPG na
atualidade), acontece muita coisa dahora, esses ambientes não são nem de longe
uma feira das vaidades, mas acontece, vez ou outra, alguns rebuliços porque “a
competência como DM” de alguém foi ameaçada.
Não me Digam Como Educar Meu Filho
Não me diga como Mestrar. Não me diga como me divertir. Não
me diga como isso e aquilo.
Acho que ameaçar a “competência como DM” quase sempre vai
levar a beligerâncias porque os mecanismos de defesa da pessoa tão muito
próximos da fantasia que ela tem dela mesma. Eu queria que algum psicólogo me
explicasse porque a galera fica tão ultrajada, tipo, de forma bem direta e como
se eu tivesse 5 anos (e se alguém o fizer eu coloco aqui no texto e ainda ponho
os louros da fonte – se quiser claro), quando se opina sobre “o jeito dela de
Mestrar” (seja lá o que isso queira dizer).
Mas por que a sua forma de Mestrar é tão sagrada? A Polícia
do RPG não vai bater na sua casa e tomar seu certificado de Bom DM não.
E será que não vale a pena ouvir e experimentar outras
abordagens?
Será que aquelas verdades que foram criadas na sua mesa que
vem desde 2003, no 3D&T, e que você joga com a mesma galera, na mesma
caverna, ecoando ruídos e sendo validada por ela mesma, não podem ser arranhadas?
Aquilo que você fala como diversão pra sua mesa é de fato a
diversão da sua mesa ou é a ficção de diversão que VOCÊ criou pra sua mesa? E
que por estarem na mesma caverna que você, O Bom Mestre, Aquele Que Carrega O
Fardo, seus jogadores não provaram do resto pra poderem atestar o contrário?
E quando atestam, você escuta?
Ou você acha que sabe o que é o melhor pra cada um?
Até que ponto a mesa é sobre o jogo emergente e
compartilhado ou sobre o SEU jogo?
Então vamos lá:
Ninguém tá nem aí pra cosmologia, dinastia, geografia,
mitologia, super estrutura, e todo o caralho que você fez pra conduzir sua
campanha. Até porque é provável que ela seja um Frankenstein de tudo que há por
aí.
Mas tá todo mundo aí pro NPC que conversa e tateia os
personagens dos jogadores. Pra taverna que os jogadores pediram a descrição.
Pra interação.
E isso não fui eu quem falei, o próprio Mike Shea constatouisso na sua extensa pesquisa qualitativa e quantitativa pra escrever o Lazy DungeonMaster: a parte mais significativa da percepção dos jogadores do mundo
oferecido pelo DM se dá mais de baixo pra cima que de cima pra baixo.
E por que estou falando isso? Porque esse é um conceito que
bate de frente com a ideia do “Bom DM” e da competência. É uma amarra difícil e
pesada que muita gente teima em soltar e que talvez nunca soltará.
A ideia do DM virtuoso flerta com a ideia de uma
masculinidade tóxica, de insegurança que leva a uma competição e egocentrismo
no jeito de conduzir o jogo.
Não à toa fiquei tão surpreso na primeira vez que joguei com
uma moça mestrando, uma leveza e uma tranquilidade que me transportou pros meus
primeiros dias de RPG, como se cada sala nova fosse de fato um lugar novo. Uma
desamarra das competições e necessidades de louros e méritos.
No fim, essa ideia do “Bom Mestre” faz é todo mundo sair perdendo.
Quer Dizer Que Devo Planejar Mais Nada? Foda-se Tudo?
Acho que não tem regra. Existem mil estratégias de condução
de jogo, ter um fluxograma de eventos sempre será útil, e despreparo excessivo
pode ser muito frustrante. A demanda por agência dos jogadores costuma flutuar
numa sessão, então saber criar drama ou não pra dar corrente ao rio é
importante. A própria prática ajuda nisso, mas tem vários podcasts e blogs que ajudam
bem na empreitada.
Mas ainda assim, talvez o passo mais duro seja esse de não
querer ter o controle de tudo.
Todos, sem exceção, que conheço e que comentam que viraram
essa chave relatam como são mais felizes e como sentem mais leves em suas
mesas.
E você pode sim continuar desenhando seus mapas, criando seu
mundo, pensando em tramas e tudo mais, tá tudo bem. Ninguém tá proibido de
criar, criar é a melhor parte do negócio. A única reflexão é sobre como você
vai impor essa sua criação. Como ela vai chegar aos jogadores. Eu mesmo sou um
criador compulsivo, desenho mapas isométricos de cidades inteiras e ainda
invento nomes e comércios e o escambau (vide mapa abaixo).
Blingdenstone, Cidade dos Gnomos Cinzentos |
Cada cabeça ali na mesa de jogo tem sua fantasia e
identidade, uma criatividade aflorando. Usar dessa criatividade coletiva e
emergente tira mil toneladas das costas do DM. Todo mundo sai ganhando.
O jogo é celebrado na mesa. Para a mesa. É sobre a mesa. Não
sobre sua história.
Seguimos evoluindo.
E se algum dia tudo isso acima for abaixo, beleza, mudemos a
abordagem. O objetivo não é estar certo.
É ser feliz.
Olá,
ResponderExcluirMuito bom texto, Edu! CLAP! CLAP! CLAP!
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Bonanças.
Atenciosamente,
Leishmaniose
Sensacional..... Conteúdo muito maneiro e gostoso de ler, informativo e bem interessante
ResponderExcluirMAs cOmO VoCÊ SE atReVE A dIZEr QuE eU TeNHo quE ACeTAr NovAS idEias
ResponderExcluir???