Você já deve
ter buscado formas de otimizar seu personagem, já deve ter perguntado se vale
mais a pena o talento x ou o talento y. Quem nunca? É justo saber se aquela
ideia de um guerreiro com duas espadas é viável, ou se vale ter umas perícias a
mais.
A internet,
munida de um exército de analistas de builds e theory-crafters, obviamente
mapeou e norteou o que há de bom e o que há de ruim no PHB e demais
suplementos. Porém, após anos observando algumas opiniões e pareceres, comecei
a questionar certos dogmas.
Por exemplo,
vamos ao monge. O monge enfia o cacete nos primeiros níveis, mas
progressivamente perde força nos níveis mais altos. O ranger faz a mesma coisa,
com o Hunter’s Mark ou Hail of Thornes ele se mostra um poderoso combatente
além de inúmeras habilidades fora do combate (algumas até boas demais para o
bem andar de uma campanha).
“O monge é
desbalanceado, fica aquém nos níveis mais altos”.
Reconhecemos
que é verdade, mas é provável que você nem tenha experimentado isso. Pode ser
que um ou outro venha a jogar nos níveis mais altos, mas a probabilidade é
baixa (dados virão a seguir). E tem o lado que muitas vezes o theorycraft não
capta uma experiência holística do que é de fato jogar com aquela classe
naquele nível, mas tudo bem, mas supor que ela é ruim e pronto.
Mas não seria
o problema outro? Combate no D&D é uma corrida pra ver quem tira mais HP
mais rápido, e com a progressão, a fim de dar cor e respaldo criativo às
classes, o leque de coisas que vai se ganhando nos níveis mais altos fica amplo
demais pra que todo mundo culmine na mesma eficiência relativa[1].
Os esforços de fazer isso culminam, naturalmente, num mero re-skin de
habilidades que possuem consequências numéricas idênticas ou muitas vezes
parecidas. Isso foi um ponto amado por uns e criticado por outros na 4e, mas a
4e não deu tão certo, ao menos deu menos certo que a 5e em termos de aceitação.
O fato é,
D&D fica meio (meio???) quebrado depois do nível 10. A galera do Pugmire[2]
diz isso, inclusive colocaram o cap no 10 em partes porque realizaram que a
tarefa de impor desafios e equilibrar o sistema vira uma hidra: a cada problema
que você arruma aparecem outros. Como um cubo mágico que aumenta quando você
tenta o resolver, um lado já tá todo da mesma cor, aí você gira pra tentar arrumar
e bagunça tudo. E D&D tem infinitas possibilidades a mais que um cubo
mágico, D&D tem mais possibilidades que xadrez que, caso você não saiba,
tem mais possibilidades de jogadas do que partículas no universo.
A questão da
justiça entre classes é compreensível. As edições modernas focam muito nos
personagens, e elementos como proficiências, capacidades, backgrounds e demais
características são valorizados - e espera-se que seu personagem seja sempre
tão competente quanto os demais. Surge a cobrança do equilíbrio, o seu anão
guerreiro deve poder ser tão poderoso quanto um arquimago. Isso nem sempre foi
uma verdade, mas nas edições modernas tem sido uma exigência recorrente.
Não sei se
isso é o pano por trás do fato de quase todas as edições de D&D serem caster-editions (onde conjuradores
tendem a alçar os mais altos patamares de poder no longo prazo), mas querendo
ou não há um certo desbalanço ali entre as classes e que costuma engordar nos
níveis mais altos (apesar de não ser uma coisa tão linear assim, existem spikes
e patamares de força).
Porém, apesar
de todo esse debate, toda essa coisa, toda essa análise, a verdade é que
D&D é jogado pra valer do nível 1 ao 6. “Ah mas minha mesa tá no nível
17...” – sua mesa é um grão no oceano de mesas do mundo e não cria relevância
estatística.
Sim, com
pesquisas em 5 fóruns diferentes, mais de 3.000 participações, utilizando
retirada de viés, testando a aderência estatística e modelando uma demografia
média do nível das mesas, e usando resultados de pesquisas de terceiros, perguntamos
“em quais níveis você passou mais horas jogando na sua vida?”, e a resposta foi
essa:
Um detalhe
importante aqui, quanto maior o espaço amostral, mais a balança pendia pro 1-5.
Isso nos leva a crer que talvez haja uma quantidade total ainda maior do que a
estimada pras mesas que jogaram no 1-5. Algumas pesquisas, como as de grupo de FB,
utilizou-se métodos de eliminação de viés, pois há chance de o voto aberto
enviesar a amostra. No Reddit e no Giantitp, a plataforma escondia os resultados
na votação, permitindo apenas a visualização parcial em outro clique.
Assumiu-se que o votante das enquetes era suficientemente assíduo para ser
considerado um “indivíduo competente” no que diz respeito a qualidade do seu
voto. A aderência estatística para o montante de jogadores reais totais é
suficientemente precisa: os dados passaram nos testes de aderência
convencionais para esse tipo de amostragem, o espaço amostral total é
suficientemente regrado pra seguir o padrão e, na matemática, a pesquisa tem
desvio baixo, mais ou menos 3.4 pp.
Mas, pra não
usar bola de cristal, mantivemos a estatística coletada e não modelamos, apesar
de reiterarmos que uma modelagem pesaria ainda mais para o lado do 1-5.
Enfim, é isso,
ao menos 80% das mesas do mundo se passaram nos níveis 1 ao 10.
E o que isso
tem a ver com escolhas de talentos e aquele papo todo no início do texto? Tem
tudo. Pois o monge é uma classe forte dos níveis 1 a 5, logo ele é uma classe
forte em 50% das mesas. A mesma cosa o Ranger, e mais ainda, sabe aquele Great
Weapon Master ou Sharpshooter? Bom... servem de bem menos nos níveis 1 a 5...
Já pensou como
Dual Wielding é poderosa no tier 1? Você tem um ataque inteiro extra
praticamente. Isso é quase um turno a mais antes dos Extra Attacks aparecerem.
Sim um talento tido como fraco/ruim, lhe dá uma ultra vantagem na action economy logo de cara, e é
provável que sua mesa morra antes dele ficar ruim.
Não se está
defendendo que a 5e não tem problemas e que todos os talentos são fodas. O
ideal é que todos fossem suficientemente bons em suas dadas circunstâncias, o
que não é verdade, pois Lucky sempre será melhor que Skilled. Há inúmeros
problemas de design, este autor pessoalmente não gosta do Ranger por N motivos,
mas ironicamente não é porque ele é fraco, é porque ele é um empecilho pro
andar do jogo mesmo. Todavia os parâmetros da competência de cada trait ou feat
tem de ser revisados: não adianta falar que GWM é um bom talento se a campana
vai morrer no nível 6. E pense que é MUITO provável que ela se encerre, a cada
nível que você vai além do 1 a probabilidade dela se encerrar aumenta. Pior
ainda é pensar que há quem planeje uma build que funcione no nível 6 porque a
campanha vai até o nível 13: você vai se desprender todo pra que nos instantes
finais da campana seu personagem funcione? Nesse tempo todo de mesa o mamão com
Dual Wield fez muito mais estrago que seu super GWM com vantagem.
No fim é isso,
quase ninguém vai jogar no nível 20. Nem no 15. Então aquele homebrew do colega
que você olha e fala “caralheow que habilidade quabrada essa do nível 17, seu
lixo” é bem menos lixo, porque ninguém vai jogar com homebrew até esses níveis,
e mais ainda, as demais classes também são quebradas. Magia de adivinhação
rompe qualquer campanha a não ser que o DM entre na esteira de toda vez criar
“um dispositivo anti adivinhação”, que reforça o efeito win or suck de várias coisas do D&D. Druida da lua é imortal. Guerreiro Battlemaster faz 8 ataques com 200 manobras. Chuva de Meteoros. Wish. Enfim... A galera da Paizo, ao meu
ver, mostrou seu ápice de competência ao criar campanhas que fossem coerentes e
não podativas (sem BBEG imune a
adivinhação, tele transporte, controle mental e todo o resto) nos tiers mais
altos dos Adventure Paths. Quando fiz o Juramento do Paradoxo de sacanagem eu
mesmo ironizei o capstone o chamando de “Nada Mais Importa” no nível 20.
E tudo isso
pra dizer que a Bounded Accuracy até ajuda o coitado que não sabe otimizar:
numa edição com menos números tua chance de estar ali no miolo numérico é bem
mais alta. Em geral, principalmente nos níveis iniciais, quase tudo funciona
redondo. E é ali que o jogo é jogado na prática, é ali que o negócio acontece.
Se isso é 100% intenção de design... não se pode dizer com certeza (apesar do
Mearls[3]
já ter dado vários indicativos que sim).
Enfim, to a
cada dia ligando menos pras matemáticas e me focando mais na sensação de cada
classe, de cada experiência. A 5e tem problemas de equilíbrio, tem escolhas
piores, tem de tudo. Não dá pra negar, mas ela não onera tanto quem fez más
escolhas como outrora. As vezes aquilo
que tu modela ser super vantajoso, na visão holística de uma sessão, nem é
essas coisas. Quer saber, tenta colocar números pares altos nos atributos chave
a sua classe, de resto escolhe o que for. A Bounded Accuracy e os Tiers baixos
vão lhe proteger dos perigos de não otimizar.
[1] Eficiência relativa é o termo que usei para
que cada classe seja, na média, suficientemente boa naquilo que se propõe e no
fim contribua a um grupo de forma equivalente às demais no geral.
[2]
Sistema derivado da 5e em que se interpreta cães antropomórficos, bem legal
[3] Chefe
da porra toda do D&D
Boa Edu, mt boas infos !
ResponderExcluirSempre disse e sempre direi: o primeiro tier é o mais divertido, é o que mais lembra as histórias que realmente gostamos de ler e assistir.
ResponderExcluirSobre a parte mecânica em si, acho que o fato de poder jogar com um personagem não otimizado e ainda ser útil e funcional na mesa é a melhor coisa que já aconteceu com o D&D, não existe nada pior num RPG do que abandonar o conceito que você queria porque mecanicamente ele não funciona.
Tem também o fator tempo, né. Estou jogando a minha campanha atual a 4 meses, e os personagens chegaram no 4º nivel agora. A ultima campanha que eu joguei que passei do 15º nivel eu ainda estava no colegial e podia jogar todo santo dia. Agora, jogando no máximo duas vezes por mês, se continuar nesse ritmo, vai demorar de 2 a 3 anos pro grupo chegar no nível 20.
ResponderExcluirChegou no nível 20? Embora provavelmente a campanha acabou bem antes.
ExcluirRealmente muito bom! ♥
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